A programação do Santander Cultural teve três ótimos longas-metragens. Curiosamente, todos eles, à sua maneira, falam sobre o mesmo tema, trauma de infância, e dão às tramas caminhos parecidos, com o retorno do protagonista à origem de seu trauma, proporcionando um confronto necessário com o passado.
Em Salmo 21 (2009), um padre perturbado por visões de sua falecida mãe é informado da misteriosa morte do seu pai e parte à sua cidade de origem a fim de saber mais sobre o acontecimento. Lá, ele se hospeda na casa de uma conturbada família que o hostiliza, mas, aos poucos, vai se lembrando de momentos-chave da sua infância. Horror sobrenatural, possui a típica aura dramática européia. É bastante frágil ao lidar com elementos horríficos mais tradicionais, como os momentos climáticos e as aparições dos fantasmas, sustentadas em exaustivos efeitos de CGI, mas é bastante incisivo em seu discurso anti-clerical. Uma das melhores cenas é protagonizada por Jonas Malmsjö, o irresoluto padre, e Per Ragnar, intérprete de seu pai, ator que também estrelou o sucesso sueco Deixa Ela Entrar (2008) no papel do protetor da pequena vampira.
Escuridão (2009) é mais leve, com momentos de humor protagonizados pelos membros da banda amalucada de rock da qual faz parte o protagonista, um homem que procura tranqüilidade para dedicar-se às artes plásticas e retorna ao casarão em que viveu quando criança na companhia dos pais e da irmã mais velha. Porém, começa a ser importunado pelos fantasmas de algumas crianças que, aos poucos, lhe revelam detalhes de seu passado obscuro. O filme marca o retorno do veterano diretor tcheco Juraj Herz ao cinema, depois de 12 anos de dedicação a produções televisivas. Herz iniciou sua carreira no horror há 40 anos, com o cultuado Spalovac Mrtvol, em que explora o tema do nazismo. Ainda que abordado de maneira diferente, o mesmo tema ressurge em Escuridão, em que se percebe uma tentativa do cineasta de se atualizar, acrescentando à trama a supracitada banda de rock e algumas dispensáveis cenas de consumo de drogas e sexo, incluindo lesbianismo.
O mais subjetivo entre os três, Amargo (2009) é um filme essencialmente visual. Com pouquíssimas linhas de diálogo, mostra três momentos da vida de uma mulher: sua infância, adolescência e maturidade. Como os personagens dos filmes anteriores, quando adulta, a protagonista retorna ao lugar em que passou a infância e, lá, é perseguida por um assassino com uma navalha. Os primeiros minutos do filme fazem valer o ingresso, através de uma contagiante atmosfera pesadelar e de ameaça sobrenatural que só se via nos cinemas de Dario Argento e Mario Bava. No restante da metragem, os diretores Hélène Cattet e Bruno Forzani, também roteiristas do filme, proporcionam um espetáculo para os sentidos, numa verdadeira poesia em 16 mm.
Beatriz Saldanha